Clarins na noite de Fernando Pessoa

 

 

ODE MARCIAL

Álvaro de Campos


Clarins na noite,
Clarins na noite,
Clarins subitamente distintos na noite...

(É de cavalgada, de cavalgada, de cavalgada o ruído longínquo?)

O que é [que] estremece de diverso pela erva e nas almas?
O que é que se vai alterar e já lá longe se altera —
Na distância, no futuro, na angústia — não se sabe onde — ?

Clarins na noite,
Clarins... na noite,
Clari-i-i-i-ins.....

É de cavalgada,
É de cavalgada, de cavalgada,
É de cavalgada, de cavalgada, de cavalgada
O ruído, ruído, ruído agora já nítido.

Vejo-as no coração e no horror que há em mim:
Valquírias, bruxas, amazonas do assombro...
São um grande sonho — mistério de sombras pegadas que mexe na noite.
Vêm em cavalgada, e a terra estremece duas vezes,
E o coração como a terra estremece duas vezes também.

Vêm do fundo do mundo,
Vêm do abismo das coisas,
Vêm de onde partem as leis que governam tudo;
Vêm de onde a injustiça derrama-se sobre os seres,
Vêm de onde se vê que é inútil amar e querer,
E só a guerra e o mal são o dentro e fora do mundo.

Hela-hô-hôôô...helahô-hôôôôô.......


Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993.  - 23a.
Fonte: http://arquivopessoa.net/textos/3231

Publicat també a Prosa e Poesia em lingua portuguesa Clarins

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